terça-feira, 13 de junho de 2006

Os "sem-livro"

Setenta e cinco por cento dos brasileiros não dominam o exercício da leitura, e mais de 60% não sabem interpretar textos. Especialistas alertam que o hábito tem de começar cedo, ainda na infância.
Na casa de Maurizan Dias Queiroz , de 5 anos, não há livros. Nem uma Bíblia ou uma revista de histórias em quadrinhos. Seus avós, Doralice Gomes de Oliveira, de 64, e Sebastião Queiroz de Oliveira, de 63, nunca foram à escola. Os pais do enino, que mora na Vila Estrutural, passam o dia no lixão, de onde tiram, em uma boa semana de coleta, R$ 60. A história
de Maurizan está longe de ser única. Ele faz parte de um exército de brasileiros distantes dos livros, do letramento e de todo o universo mágico que só a leitura proporciona.
No Brasil, a categoria dos "sem-livro" é maior que a dos sem-teto ou dos sem-terra. Somos uma população que não lê. Nada menos que 75% dos brasileiros não dominam o exercício da leitura, um número que inclui os analfabetos absolutos - sem qualquer habilidade de leitura e escrita - e os 68% considerados analfabetos funcionais, que têm dificuldades para compreender e interpretar textos. "São pessoas que até conseguem decodificar uma palavra ou frase mas não vão além do significado restrito", explica Márcia Elizabeth Bortone, professora da Universidade de Brasília (UnB). De acordo com a educadora, boa parte da culpa dessa incapacidade de interpretar o que está escrito e entrar no mundo da história é, justamente, a falta de intimidade com a leitura.
Naturalmente, sem livros em casa, não há como se desenvolver essa intimidade. E vale destacar que, quanto mais cedo, melhor para formar um futuro devorador de livros. Maurizan, por exemplo, está em uma ótima idade para ser apresentado ao mundo da Turma da Mônica, dos príncipes e princesas ou de outros personagens da literatura infantil.
"Meu neto vai ser doutor", aposta a avó do menino, que não sabe nem assinar o nome. "Minha loucura é ver esse garoto com um diploma na mão", sonha o avô, que aprendeu a ler pelo que ele chama de professor mundo. O professor Antônio Ibañez, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), concorda com os dois. "As crianças têm todos os
instrumentos, cabe aos pais, professores e sociedade não jogar esses talentos fora", argumenta.

Atraso
Não são poucas as causas que levam os brasileiros a terem baixo índice de leitura. Muitos simplesmente não querem. Apenas um adulto alfabetizado em cada três lê livros. O brasileiro médio lê 1,8 livro não-acadêmico por ano, de acordo com dados do último levantamento da Câmara Brasileira do Livro (CBL). O número é menos da metade do que se lê nos Estados Unidos ou na Europa.
Além disso, a leitura é desencorajada pelo preço das publicações.
Nas principais livrarias, o livro O Código Da Vinci, sucesso absoluto de vendas, pode ser comprado por R$ 31, pouco menos do que 10% do salário mínimo brasileiro. A média dos livros da escritora Ruth Rocha, uma das maiores
autoras de livros infantis, é R$ 25. Com isso, entramos em um ciclo vicioso: os brasileiros compram poucos livros porque eles são caros, o que provoca uma baixa tiragem, responsável por puxar para cima os preços.
Mas a maior dificuldade está no fato de que a leitura é um hábito difícil de formar. Os brasileiros compraram menos livros em 2004 - 289 milhões - do que em 1991. O quadro fica ainda pior quando olhamos o que as compras do governo
representam nesse montante. De todos os exemplares vendidos em 2004, 135
milhões foram compras institucionais, a maioria de livros didáticos.
E, dos 153 milhões vendidos à população em geral, apenas 51,5 milhões eram da categoria geral, que inclui as ficções, romances, obras literárias, clássico e histórias infantis. Do restante, 56 milhões eram livros didáticos, 16 milhões eram científicos ou profissionais e 28 milhões eram religiosos.
O baixo crescimento da leitura aparece na formação da nossa sociedade. A pesquisa de analfabetismo funcional, do Instituto Paulo Montenegro, o braço social do Ibope, existe desde 2001. Os números mudaram pouco em quatro anos.
Apenas o grupo que está no nível 2 de alfabetismo teve crescimento significativo, passando de 34% para 38%. O nível 1, chamado de rudimentar, porque tem a capacidade de ler títulos e frases isoladas, se manteve na faixa dos 30%, como nos outros anos. Também como em 2001, apenas 26% dos brasileiros estão no grupo dos que apresentam plenas habilidades de
leitura e escrita.

por Erika Klingl
Da equipe do Correio

Fonte: bci-ufscar@yahoogrupos.com.br

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