Recentemente li um artigo que me chamou atenção: “Educação e emprego para bibliotecários de livros raros” *. Meu primeiro pensamento foi dirigido à qualificação do profissional e suas características pessoais, talvez devido a tantas mensagens em listas eletrônicas da área sobre roubo de livros e mapas raros, aqui, como nos Estados Unidos.
Mas o assunto era mesmo sobre educação e trabalho, sobre os problemas que as instituições norte-americanas encontram com a escassez de profissionais na área. Ainda que a realidade desse país seja muito diferente da nossa, há sempre o que observar e, quem sabe, aprender a partir de outras experiências.
Nos últimos anos, em seminários, encontros, e nas salas de café das próprias bibliotecas muito tem se falado sobre a falta de bibliotecários de livros raros. Para coleções especiais que lidam com América Latina, então, o problema se agrava. Nesse contexto, a qualificação profissional assume papel relevante.
Quais seriam as qualificações básicas para um bibliotecário de livros raros nos EUA, e quais delas são correntes no Brasil?
Conhecimento de Bibliografia Descritiva, ou seja, saber como os cadernos de um livro artesanal é formado (até aproximadamente 1820 os livros ainda não eram fabricados de maneira industrial), a posição das linhas d’água e sua importância para a determinação do formato do livro, assinaturas, estilos de encadernação, etc.;
Conhecimento de obras de referência para fontes primárias;
Conhecimento da coleção;
Noções de preservação;
Domínio de línguas.
Características adicionais importantes seriam conhecimentos de preservação das novas mídias digitais e de direitos autorais. Numa época em que documentos são digitalizados ou já nascem digitais, muitos bibliotecários se encontram às voltas com o aprendizado dessas matérias.
A formação do bibliotecário de livros raros não é tão simples como pode parecer, mesmo naquele país desenvolvido. Os cursos normalmente oferecidos são de extensão universitária, mas não é raro encontrar programas que registram sua existência, mas não os oferecem naquele semestre, ou seja, é incerto. A já falada em outro texto dessa coluna Escola de Livros Raros (Rare Book School) vem sendo, desde a sua criação nos primeiros anos de 1980, a forma mais eficiente e completa de profissionalização na área.
A discussão sobre educação acontece na mesma época em que se tornam escassos os empregos para esses profissionais ditos especiais. Aliás, essa escassez é com certeza reflexo do fechamento de várias escolas de Biblioteconomia norte-americanas desde o início de 1990, quando a mais importante delas, na Columbia University, em New York, teve as portas de sua biblioteca (formada principalmente pela coleção do Dewey) fechada para sempre. A universidade alegou falta de verba para manter o curso.
Ainda há empregos para bibliotecários com experiência, mas talvez porque haja poucos desses profissionais, segundo a autora do artigo. Há anos bibliotecas têm problemas para encontrar pessoal qualificado, e jovens bibliotecários que querem abraçar a carreira de livros raros não conseguem emprego por falta de vagas para iniciantes. É estimado que, por volta de 2010, um terço dos administradores que atuam na área se aposente. E escolas fechadas certamente afetam a qualidade dos poucos cursos oferecidos.
A salvação tem sido a cooperação. Se pensarmos bem, em todas as áreas a cooperação se faz hoje necessária, seja ela impulsionada por questões financeiras ou pela premência de atingir e/ou aumentar um público-alvo qualquer. A Rare Book School está fazendo parcerias com universidades do país para que seus cursos tenham valor acadêmico.
O assunto tem sido tão discutido que foi tema da penúltima conferência inaugural dos profissionais que formam o grupo Rare Books and Manuscripts, ligado à ALA (American Library Association): “Bibliotecários de Livros Raros como Educadores e Educação para Bibliotecários de Livros Raros.” Não pela primeira vez se falou nas oportunidades que o pessoal em início (e meio) de carreira também pode encontrar trabalhando com livreiros. Necessário para ambos, é uma experiência boa para bibliotecários que não deve ser descartada e que pode ser explorada aqui no Brasil.
Ter uma formação em alguma outra área do conhecimento faz enorme diferença no trato com as coleções especiais, e a Biblioteconomia brasileira carece disso, infelizmente. O profissional pode sempre (e deve) se interessar, estudar a coleção com que trabalha, e fazer cursos pertinentes. Afinal, estudar abre janelas inimagináveis. E a Biblioteconomia de Livros Raros é uma carreira que oferece um mundo ilimitado e fascinante. Quem entra, dificilmente sai.
* RIPPLEY, Susan S. The education and hiring of special collections librarians: observations from a recent recruit. In: RBM: A Journal of Rare Books, Manuscripts, and Cultural Heritage, v. 6, n. 2, Outono 2005. p. 82-90.
Sobre Valéria Gauz
Bibliotecária e mestra em Ciência da Informação. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos em 14 anos de Biblioteca Nacional. Trabalhou na John Carter Brown Library at Brown University, Providence, de 1998 a 2005.
Disponível em: http://www.ofaj.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário